Eficiência e melhora em relação ao “tradicional”
A eficiência do novo método deverá ser avaliada pelos estudos clínicos em que esta hipótese tenha sido testada. Freqüentemente em primeiro lugar são publicados relatos de caso que evidentemente não podem ser aceitos como evidência de que a nova técnica é eficiente. Devemos avaliar os estudos controlados que podem ser abertos ou fechados randomizados. Os primeiros se justificam em fases iniciais, quando queremos avaliar segurança e já ter uma idéia da eficiência do método. Para se saber da sua real eficiência é essencial estudos controlados bem feitos quando a nova técnica será comparada com a já disponível. Para que um novo procedimento seja incorporado não basta que diferenças “estatisticamente significantes” sejam os padrões de referência para a sua incorporação na nossa rotina médica. O seu custo direto e indireto representa um valor aceitável em relação ao tradicional? Algumas vezes uma tecnologia de custo inicial alto torna-se “barata”, quando analisamos os custos envolvidos com aquela doença sem se utilizar a tecnologia inovadora.
Como exemplo desta situação pode-se citar os transplantes renal e hepático. Existem evidências em outros países que tanto o tratamento dialítico a longo prazo como o atendimento do hepatopata grave com múltiplas internações pelas complicações clínicas que lhe são próprias, são mais caras para o sistema de saúde que o transplante. Estudos que avaliassem os impactos médico e econômico de novas tecnologias deveriam ser prioritários nas nossas pós-graduações para que tenhamos dados brasileiros consistentes com relação às suas incorporações na nossa prática médica.
Os dias de hoje também trazem um outro tipo de problema gerador de custos altos no exercício da profissão: a chamada medicina defensiva por vezes está pressionando os médicos a utilizarem procedimentos tecnologicamente complexos, que numa situação clínica normal não seriam necessariamente empregados. Vários serviços de emergência nos Estados Unidos foram fechados por não poderem arcar com os custos altíssimos de uma medicina defensiva levada, talvez, ao seu exemplo mais dramático.
Utilidade
A nossa preocupação primeira sempre deve ser o bem do paciente. Na literatura bioética esta preocupação está incorporada dentro do chamado princípio da beneficência. É claro que ao buscarmos o bem algumas vezes provocamos de maneira não intencional dano aos nossos pacientes. O termo utilidade refere-se à relação risco ou dano/ benefício inerente ao ato médico.
Os fatores relacionados ao numerador da relação podem ser dependentes do método ou do operador. Experiências em animais e estudos controlados já nos darão uma idéia dos riscos relacionados com o procedimento propriamente dito. A variável humana da relação nos preocupa sobremaneira neste momento. Observamos que técnicas complexas estão sendo realizadas por alguns profissionais, que não investiram o seu tempo num treinamento formal que os habilite a utilizar a nova técnica com competência. Por outro lado existe uma pressão muito forte por parte da indústria de equipamentos médicos para que novos instrumentos, ainda não suficientemente testados, sejam incorporados à rotina dos centros de diagnóstico e tratamento.
Nos preocupa igualmente neste momento o que está ocorrendo com os métodos terapêuticos videoendoscópicos. A colecistectomia por via videolaparoscópica por vias tortuosas, uma vez que foi incorporada à prática médica sem maiores estudos controlados em centros científicos universitários sérios, tornou-se o procedimento de escolha para a retirada da vesícula biliar. Será que podemos dar o mesmo voto de confiança para as outras técnicas vídeolaparoscópicas como para correção de hérnias ou para cirurgias oncológicas, para citar dois exemplos. Nos Estados Unidos, estudos mostram que o método laparoscópico para a correção de hérnias inguinais representa um aumento de 40 a 60 % do custo em relação ao tratamento tradicional. Não se sabe, por outro lado, se um retorno mais precoce ao trabalho tornaria irrelevante este aumento de custos diretos e tão pouco se sabem os seus resultados a longo prazo: como se compara a recorrência de hérnias ou a tolerância do organismo ao corpo estranho colocado na região inguinal? De novo, não temos informações brasileiras com relação a estas variáveis.
Repercussões sociais
Ao introduzir um novo procedimento médico um outro tipo de consideração deve também ser feita. Quais as repercussões sociais do novo método? Podemos examinar esta questão à luz do princípio da justiça. Será o bem proveniente da nova técnica empregada de maneira igualitária em toda a população ou será empregada uma estratégia de mercado em que somente os mais abastados, que podem por ela pagar, terão acesso ao novo bem. É a meu ver eticamente incorreto usar a população pobre para adquirir a habilidade com uma nova técnica, distribuindo dentro deste universo um maior valor agregado de riscos e danos dentro da curva de aprendizado de uma nova tecnologia, para a partir do momento da competência adquirida passar a oferecê-la somente aos que podem por ela pagar. Também devemos ter em conta que os recursos para a gestão da saúde de qualquer nação são finitos. Isto deve sinalizar de maneira bem clara que a prática da medicina baseada em conhecimentos clínicos sólidos e na valorização correta dos achados de história e exame físico são insubstituíveis para o exercício profissional realizado de uma maneira custo-eficiente.
Acredito que a preparação de profissionais competentes, com tempo para atender seus pacientes de maneira adequada e remunerados de maneira mais digna representa o melhor investimento da nação para diminuir os custos da saúde. Neste contexto uma rede de atendimento primária eficiente, com alto grau de resolutividade, permitiria que somente chegasse aos centros médicos mais avançados casos mais complexos em que o uso da tecnologia médica, tanto a tradicional como a mais moderna, está indicada para resolve-los da maneira mais eficiente possível.
O futuro também nos reserva algumas inquietudes com relação ao impacto da informática na prática. O uso de banco de dados e a rotina de identificar o paciente às imagens radiológicas endoscópicas e patológicas de seus exames cria riscos potenciais com relação à confidencialidade e a privacidade da informação médica. Devemos nos preocupar em criar senhas que controlem o acesso a este tipo informação privilegiada e, também, ao usarmos nosso material iconográfico, como ilustração científica, não permitir que nossos pacientes sejam identificados.
Como conclusão é importante enfatizar que os novos tempos que vivemos já estão exigindo que os profissionais da área médica sejam competentes não somente nas áreas cientifica e tecnológica. A competência ética é uma necessidade atual e provavelmente tornar-se-á progressivamente mais necessária à medida que os novos conhecimentos científicos e tecnológicos evoluírem. As nossas sociedades corporativas não podem se omitir desta realidade. Elas deverão se preocupar tanto com a qualidade dos egressos das Faculdades de Medicina, bem como da valorização do título de especialista, mantendo um alto princípio de qualificação profissional dos mesmos como com o oferecimento de centros de treinamento qualificados e de educação continuada que contemple o avanço científico, tecnológico e ético da prática médica.
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